quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Vermillion Sands



J.G. Ballard (2016). Vermillion Sands. Londres: Penguin

Não sendo um livro que me seja desconhecido, não resisti a esta nova edição da Penguin. Aquele padrão OpArt na capa, que ganha vivacidade graças a um plástico reticular incluído no livro, atrai o olhar. A colecção em si é daquelas que quer empolar o lado erudito da FC, não apresentando os livros como de ficção científica, mas como futuros vintage. Inclui escritores como Huxley (Admirável Mundo Novo), Zamiatin (We), Atwood (Handmaid's Tale) ou Gilman (Herland). É uma lógica aceitável. Muitas destas obras estão na zona de fronteira entre géneros, desbravando territórios e desmontando os conceitos de género literário, esses constructos teóricos úteis para categorizar leitoras, tornados espartilhos conceptuais pelo público, academia e escritores.

Vermillion Sands é um livro clássico que se equilibra nas zonas de fronteira. Estes contos de Ballard, organizados no ambiente coerente de uma estância à beira mar, são das primeiras obras que assumem essa ambivalência literária, que se atrevem a desbravar os limiares das fronteiras. A FC aqui não olha para as estrelas, alimentada de aventuras no espaço entre alienígenas exóticos e portentosas naves espaciais. Olha para os espaços interiores, para as neuroses de um espírito humano contaminado de forma indelével pela modernidade, transformado pelo automóvel e ângulos frios da arquitectura modernista. O tal innerspace que Ballard sempre explorou tão bem, na sua sublime combinação do frio abstraccionismo do alto modernismo e da clareza hiper-real do surrealismo.

Desenganem-se quem pense que a estância balnear de Vermillion Sands é uma amálgama das terras descaracterizadas para suporte de turistas de verão que se encontram por todo o mediterrâneo, do Algarve à Grécia. Conhecem o estilo horrendo, vilórias antigas semi-esquecidas, rodeadas por prédios de betão pintado de branco e vivendas vernaculares com piscinas, rodeadas de vias-rápidas e mar de azul profundo. Vermillion Sands é isso, mas também tem esculturas sónicas, viveiros de plantas cantoras, escultores de nuvens, vestidos de tecido vivo e desertos navegáveis por iates em busca de mantas. Entre a aridez da paisagem e arquitectura, é uma arena onde personalidades danificadas se dedicam a perseguir as suas neuroses e obsessões.

A prosa de Ballard está no ponto de colisão estético entre Dali, Magritte e Tanguy. A sua capacidade narrativa sempre se distinguiu pela clareza com que narra o surreal, entre a aridez inquietante de Tanguy, o surreal hiperreal de Magritte e o delírio de Dali. Os contos de Vermillion Sands mergulham-nos de chapa, sem sobreaviso, nestas estéticas.