terça-feira, 23 de agosto de 2016

Os Contos Inéditos de Dog Mendonça e Pizzaboy



Filipe Melo, Juan Cavia, Santiago Villa (2016). Os Contos Inéditos de Dog Mendonça e Pizzaboy. Lisboa: Tinta da China.

Nunca me teria apercebido do espanto que se tornou esta série, bem como da pedrada no charco que foi no meio da BD portuguesa, se não pelo Amadora BD. Quando surgiu o primeiro volume, o título não me encantou por aí além. "Dog Mendonça e Pizzaboy? que título ridículo", mais um daqueles livros de BD jocosos, a ironizar os comics de super-heróis. Um pouco à semelhança de Luis Louro e o seu O Corvo, pensei, com um traço interessante mas argumentos a perder a durabilidade naquela piada fácil e ironia simplista que agrada no momento mas não sobrevive à segunda leitora. Vertentes que têm o seu espaço e fãs, mas não são de todo as minhas favoritas.

Foi numa edição do clássico festival, numa exposição dedicada ao segundo volume da série, que me apercebi que talvez estivesse errado nesta minha impressão. O momento de clic deu-se ao ver as espantosas ilustrações de Juan Cavia e Santiago Villa, mostrando visões fabulosas de uma Lisboa reinventada para o visual horror retro deste comic. Arrisquei, e rendi-me. Li, ao contrário do que esperava, uma belíssima e divertida história que, apesar de se aguentar por si, é também uma profunda homenagem ao terror clássico no cinema e literatura.

Esta história de merecido sucesso gerou três álbuns inéditos, e algo que, que eu saiba, é completamente inédito na BD portuguesa: a publicação na Dark Horse Presents, revista antológica editada por uma das maiores editoras de comics norte-americana. Haver ilustradores portugueses a trabalhar para as maiores e mais icónicas editoras de comics já não é, felizmente, novidade. Mas histórias portuguesas editadas nos espaços editoriais de língua inglesa são-no, tanto quanto sei. Este é outro mérito conseguido por Filipe Melo com a sua série. São estes os contos coligidos neste quarto volume da trilogia, trazidos ao público português pela Tinta da China como epílogo merecido.

As histórias publicadas na Dark Horse Presents expandem a história do carismático lobisomem de Tondela. São necessariamente curtas, mas conseguem evidenciar os elementos que tornam Dog Mendonça e Pizzaboy numa merecida série de culto: a sublimação da iconografia do terror clássico, claramente alimentada por uma dieta do argumentista composta por demasiados filmes de série B, e um mundo ficcional original, que parte da influência cinematográfica para se afirmar como universo próprio. Sublinham também a combinação qualitativa que deu o sucesso à série: o argumento de Filipe Melo, o traço realista com toque de cartoon de Juan Cavia e a paleta cuidada de Santiago Villa.

Estas três histórias curtas, encadeadas, constituem uma história de origem do personagem e, por extensão, do seu mundo ficcional. Uma narrativa que é temperada por uma selecção cuidada dos elementos mais esgrouviados do horror clássico: lendas de lobisomens, circos de horrores, nazis com propensão para experiências com o oculto, seres monstruosos mas bondosos que vítimas de perseguições implacáveis. Aqui, sublinho o detalhe das notáveis vinhetas de recorte Myazaki com o périplo dos monstros em fuga. Não surpreende, é mais uma das muitas referências ao cinema que abundam nesta obra. Termina com uma aventura curtíssima a brincar com os mitos do Monstro do Loch Ness, que mostra o equilíbrio entre horror tradicional e bom humor que caracteriza a série.

É interessante notar que os autores têm sabido fugir à tentação de dar continuidade à série. Os fãs gostariam, certamente, e suspeito que os editores também não se importariam, mas sente-se que a série terminou no terceiro volume da trilogia, agora completo com contos. A vontade de ler mais aventuras deste universo ficcional é grande, mas conhece-se o risco de se esgotar e banalizar. A continuidade das colaborações entre Melo e Cavia está assegurada, com o recente lançamento de Os Vampiros.